sábado, 7 de novembro de 2009

Todos iguais e valiosos aos olhos de Deus

Gabriel Tshiala Lumbadila


Quando criança, na República Democrática do Congo, fui educado na igreja católica. Embora meu interesse pela vida dos santos tivesse aumentado, Deus ainda permanecia desconhecido para mim. Eu tinha um forte desejo de me tornar padre e, curiosamente, muitas pessoas diziam que eu parecia um sacerdote. Contudo, sabia que o desejo de me tornar padre não seria aceito pelos meus pais, pois eu era o filho mais velho da família e esperava-se que eu levasse avante a linhagem familiar.
Durante os anos em que estudei na Bélgica, meus amigos e eu trabalhamos nas férias de verão em um grande pomar de maçãs. Enquanto estávamos na fila ao final do dia para receber nosso primeiro pagamento diário, um amigo veio nos contar que nosso empregador tinha duas taxas diferentes de pagamento: um valor “para homem” e um outro, mais baixo, “para mulher”. Instintivamente, meus amigos me olharam, pois sabiam que eu era defensor da igualdade de direitos para ambos os sexos. Entretanto, preferi a ação às palavras, portanto, quando entrei no escritório da plantação, meu protesto foi pedir para receber o valor equivalente ao pagamento das mulheres.
Um propósito de curaDurante esse período, vinha procurando conhecer a Deus em vários livros sobre religião e filosofia, mas sempre em vão. Além disso, fracassei nos estudos universitários devido à conduta irresponsável e meus pais pediram que eu voltasse para casa.
No voo de volta para a África, li vários trechos do livro Ciência e Saúde, que ganhara de presente de um amigo. A partir daí, comecei a estudar o livro juntamente com a Bíblia e, aos poucos, esse estudo ajudou-me a encontrar um propósito na vida, enquanto me esforçava por compreender a resposta do livro à pergunta: “O que é o homem?” (p. 475).
A fim de obter a resposta a essa pergunta, comecei, aos poucos, a conhecer a Deus. Aprendi que Deus é Espírito, Amor, nosso Pai e Mãe, o bem infinito. Que Ele criou o homem inteiramente espiritual, perfeito, à Sua imagem e semelhança, macho e fêmea, porque o termo genérico homem também inclui a mulher. Todo o meu modo de pensar começou a mudar de uma base material para uma base espiritual.
Também descobri que o Cristo é universal e atemporal e está aqui para abençoar toda a humanidade, como “...a idéia verdadeira que proclama o bem, a mensagem divina de Deus aos homens, a qual fala à consciência humana” (Ciência e Saúde, p. 332). Percebi que o Cristo aparentemente influenciou Martinho Lutero na Europa, quando ele “popularizou” a Bíblia em alemão, no Século XVI. Mais tarde, “A ideia verdadeira que proclama o bem” levou Abraham Lincoln a abolir a escravidão africana nos Estados Unidos e, mais recentemente, o Cristo deve ter levado Mahatma Mohandas Gandhi a lutar pela independência da Índia e à abolição do sistema de castas, Martin Luther King Jr. a lutar pela igualdade racial, e Nelson Mandela a conduzir o povo da África do Sul ao triunfo sobre o “apartheid”.
Eu também desejava ansiosamente ver o Cristo em ação em minha vida, capacitando-me a ajudar os outros.
Primeiros pedidos por oraçãoHá alguns anos, em uma quarta-feira, um pouco antes de começar a reunião de testemunhos na igreja filial da Ciência Cristã que eu frequentava, senti-me inundado por um amor puro e espiritual e deixei que esse amor fluísse para todos, especialmente para o Primeiro Leitor que iria conduzir a reunião. Depois que a reunião terminou, senti novamente a mesma efusão de amor e, naquele momento, o Primeiro Leitor me pediu que orasse por ele, pois sua noiva havia lhe dito que cometeria suicídio, caso fosse reprovada nos exames finais e, infelizmente, ele traria más notícias para ela.
Tempos depois, compreendi que o Amor divino já havia feito a obra, quando senti aquele amor ardendo em mim antes e depois do culto. Sabia, também, que o Amor divino é o único sanador, que ele faz a obra por nós e que a vontade humana jamais está envolvida na cura. No domingo seguinte, o Primeiro Leitor me contou com gratidão que sua noiva havia mudado completamente sua maneira de pensar.
Quando meu interesse em ajudar os outros pela oração aumentou, fiz o Curso Primário da Ciência Cristã. Durante aqueles doze dias maravilhosos, dois fatos me chamaram a atenção. Primeiro, a professora enfatizou várias vezes que não existe matéria e sustentou esse ponto com declarações que constam dos livros de Mary Baker Eddy. A professora nos pediu que memorizássemos este parágrafo: “O Espírito é infinito; portanto, o Espírito é tudo. ‘Não há matéria’ não é apenas um axioma da verdadeira Ciência Cristã, mas é a única base sobre a qual essa Ciência pode ser demonstrada” (The First Church of Christ, Scientist, and Miscellany [A Primeira Igreja de Cristo, Cientista, e Vários Escritos], p. 357).
O segundo fato memorável aconteceu quando a professora nos mostrou como “tratar” ou orar diariamente por nós mesmos. Como exemplo, ela tratou a si mesma em voz alta, e fiquei impressionado quando ela falou a respeito da morte como sendo o nada, como uma ilusão.
Logo após ter concluído esse curso, alguém que havia acabado de fazer exames médicos veio me ver. Ele estava em prantos porque o médico lhe dissera que tinha apenas seis meses de vida. Essa pessoa, então, pediu-me para lhe dar um tratamento por meio da oração. O interessante é que ele não me disse o nome da doença, mas lhe expliquei que sua vida não dependia de seu sangue nem da perícia de seu médico. Orei por ele por aproximadamente meia hora, e então ele foi embora se sentindo aliviado. Uma semana mais tarde, retornou sorrindo e me disse que estava completamente curado.
A vida como um refugiadoCerto dia, meu pai chegou em casa parecendo bastante assustado e me contou que a polícia viria revistar nossa casa. Ele havia lutado contra a corrupção, expurgando nomes de empregados fantasmas da folha de pagamento de uma importante agência do serviço nacional. Quando ele reuniu todas as listas de nomes com os quais havíamos trabalhado e tentou encontrar um lugar melhor para escondê-las, percebi o quanto ele estava comprometido em levar esse trabalho até o fim, e quão temeroso estava pela minha segurança. Ele ordenou que eu fosse para o Zaire, como era então conhecido o Congo, e eu lhe obedeci.
Passei dois anos penosos em um campo de refugiados na Namíbia. Entretanto, lembro-me com gratidão da ajuda em dinheiro, alimento e literatura que amigos da minha Associação de alunos da Ciência Cristã me enviaram durante aqueles tempos difíceis. Sabia, contudo, que não dependia deles, mas de Deus, para uma solução permanente para minhas necessidades diárias.
Fiquei feliz ao deixar a Namíbia e ir para o Canadá, mas também triste porque isso significava deixar para trás meu novo emprego como professor de matemática e ciências, e a mulher que conhecera enquanto dava aulas, com quem esperava me casar. Contudo, minha partida aconteceu pelo poder da oração e da minha fé em Deus, pois meu pedido de imigração foi o único concedido entre inúmeros outros.
Canadá: nem tudo foi alegriaDepois de chegar ao Canadá, tive de começar minha vida novamente. Embora tivesse sido professor, agora me candidatara para qualquer tipo de trabalho que pudesse encontrar, a fim de ter uma vida decente e poder ajudar minha mãe, minhas irmãs e irmãos, que haviam ficado na África. Encontrei médicos, engenheiros e outros imigrantes com alto nível de escolaridade, os quais estavam aceitando empregos temporários. Ao orar sobre minha situação, ocorreu-me que aquele “homem divinamente real”, Jesus, era um carpinteiro (ver Ciência e Saúde, p. 313). Então, aproveitei essa oportunidade para cultivar a humildade que parecia essencial à minha jornada espiritual. Essa era a única forma de salvaguardar minha autoestima e ser útil ao país que me acolhera.
Aprendi, de maneira muito clara, que Deus ama a cada um de nós, de forma invariável e igualitária, como Seus filhos, a despeito do tipo de serviço que fazemos. Portanto, Seu amor por um diretor de empresa não é maior do que por um operário.
Dois anos após ter chegado ao oeste do Canadá, mesmo tendo um emprego em tempo integral, voltei a estudar, também em tempo integral. Saí-me muito bem como estudante, mas, no último ano do curso, um dos professores parecia agir com discriminação e quase não reparava em mim, nem no que eu fazia. Inesperadamente, porém, fui o primeiro a terminar a prova semifinal e então sua atitude para comigo mudou. Não obstante, durante todo o tempo, sempre que orava para essa situação, eu o via como Deus o conhecia, como um filho igualmente amado. Formei-me em sistemas de informação empresarial.
Encontrei muitas pessoas maravilhosas em minha nova pátria, mas também me defrontei com discriminação racial, quando tentei alugar um apartamento, ao fazer compras, no transporte público e no ambiente de trabalho. Superar esse problema foi meu maior desafio.
No livro Ciência e Saúde, Mary Baker Eddy definiu o homem com termos espiritualmente científicos. Ela escreveu: “O homem não é matéria; não é constituído de cérebro, sangue, ossos e de outros elementos materiais. As Escrituras nos informam que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus. A matéria não é essa semelhança” (p. 475). Raciocinei que um desses “outros elementos materiais” é a cor da pele. Muito embora a ciência física considere o cérebro como a fonte da inteligência, na Ciência Cristã cada indivíduo é compreendido como tendo uma única identidade espiritual como o reflexo da inteligência divina.
O Apóstolo Paulo confirma a falsidade da desigualdade racial, ao dizer: “A fé em Cristo Jesus é o que faz cada um de vocês iguais uns aos outros, caso seja judeu ou grego, escravo ou pessoa livre, homem ou mulher” (Gálatas 3:28, Versão Inglesa Contemporânea). Mary Baker Eddy também foi específica neste ponto: “O Amor tem uma única raça, um único reino, um único poder” (Poems [Poemas], p. 22). Essas verdades reforçaram minha convicção de que, para Deus, não somos brancos, pretos nem amarelos, porque o homem é inteiramente espiritual.
Enquanto me esforçava para superar o tormento da discriminação, que é, em realidade, um mal ou erro impessoal, descobri que eu também havia agido como um discriminador. Jesus perguntou em seu Sermão do Monte: “Por que se preocupar com um cisco no olho do seu amigo quando você tem uma trave no seu próprio olho”? (Mateus 7:3, Nova Versão Viva). Compreendi que, cada vez que via um ser humano, meu semelhante, como doente, pecador, velho, moribundo ou pobre, de fato, sempre que aceitava um conceito material sobre alguém, eu estava também discriminando essa pessoa. Essa autoanálise, em espírito de oração, fez com que me empenhasse em ver cada um sob a luz divina, substituindo mentalmente o conceito material pelo divino, como havia feito com meu professor na escola.
Precisava ver cada homem e mulher como espiritual, puro, isento de pecado e imortal, porque eles expressam o único Espírito, Alma ou Vida, que é Deus. Essa é a única maneira pela qual eu podia encontrar minha verdadeira identidade e propósito na vida.
Durante sua crucificação, Jesus orou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Ele conhecia a Verdade pura a respeito da vida, mas seus torturadores ignoravam isso. No entanto, mesmo em agonia, Jesus seguia com sua jornada espiritual, cuidava dos “negócios de seu Pai” e via a identidade espiritual de seus inimigos como inocente, sem pecado. Portanto, não desisti de orar por um caminho livre da discriminação. Assumi a perspectiva de Jesus como se fosse minha, e ainda estou me empenhando em caminhar nas pegadas do Mestre.
A sensação de ser uma vítima se desvaneceu. O mais importante é que me sinto orgulhoso de quem sou como um ser espiritual, intocado por opiniões humanas e olhares ofensivos.
Visitando novamente o campo de refugiadosHá três anos, nove anos depois de partir da Namíbia, voei de volta para me casar com aquela moça paciente que mencionei anteriormente, cujo nome de batismo é Waiting [Esperança]. Enquanto os preparativos para que ela possa se juntar a mim no Canadá ainda estão em andamento, continuo a visitar a Namíbia durante as férias de Natal. Na minha terceira viagem para lá em dezembro de 2007, Esperança e eu viajamos de carro até o campo de refugiados, cerca de 300 quilômetros da cidade de Windhoek. Ela estava curiosa para conhecer o local onde passei a maior parte do tempo em que estive em seu país.
Levei minha esposa para conhecer os lugares onde eu costumava sentar, esperar e orar, quando me encontrava na mais desesperadora das situações e não via nenhuma saída possível. Como poderia então saber que um dia eu voltaria ali, bem vestido, podendo alugar um carro por um mês inteiro? A resposta é simples: não existe nenhuma barreira nem distância no amor.
Minha jornada espiritual me mantém seguindo em frente, do modo como Deus quer. O Amor divino me proporcionou um novo propósito e, com a minha querida Esperança, uma nova vida!

Gabriel Lumbadila, conhecido por amigos e parentes como Gaby, mora em Calgary, Alberta, Canadá. Tornou-se cidadão canadense em 2002

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