sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Perdoe e transforme o mundo


Na margem sul (conhecida como Southbank) do rio Tâmisa, em Londres, perto do “Royal Festival Hall” (um dos maiores espaços do mundo para eventos), existe uma estátua de Nelson Mandela, de dois metros e meio de altura, que se tornou um famoso ponto de referência na cidade. Mandela é muito admirado no mundo todo, não apenas por seus esforços em desmantelar o apartheid ou o segregacionismo racial na África do Sul, mas também por seu notável espírito de reconciliação, o qual ele ajudou a promover como o primeiro Presidente pós-apartheid de seu país. Em 1995, logo após o início do mandato de Mandela como Presidente, seu governo criou uma comissão cujo objetivo era trazer um bálsamo de reconciliação às cicatrizes que vários anos de apartheid haviam deixado ao povo da África do Sul. Denominada Truth and Reconciliation Commission [Comissão de Verdade e Reconciliação] (TRC), o objetivo do grupo era, em parte, restaurar a dignidade das vítimas afetadas por décadas de separação racial legalmente sancionada, não mediante a vingança, mas de uma forma moralmente responsável. A partir daí, a nação poderia seguir em frente com uma atitude de reconciliação.
Para chefiar essa Comissão, o Presidente Mandela nomeou o arcebispo anglicano Desmond Tutu. Em seu livroNo Future Without Forgiveness [Nenhum futuro sem o perdão], o arcebispo comentou sobre a tendência natural de seus conterrâneos para o perdão: Nelson Mandela “convidou seu carcereiro branco para participar de sua posse, como um convidado de honra, o primeiro de muitos dos seus gestos magnânimos e que demonstrou sua extraordinária disposição em perdoar. ... Esse homem [Mandela], que fora vilipendiado e caçado como um perigoso fugitivo e encarcerado por quase três décadas, transformou-se na personificação do perdão e da reconciliação, e muitos daqueles que o odiaram acabaram comendo de sua mão”.
A paz global começa com o perdão individual
Como Nelson Mandela demonstrou, o papel que o perdão representa na cura dos conflitos globais e políticos, jamais pode ser subestimado. O impulso global pela paz começa com a prática individual do perdão. A partir daí, ele se propaga pelas vizinhanças e comunidades, e então seu efeito se estende por todo o globo. Contudo, o ato de perdoar muitas vezes não é uma questão simples. Para algumas pessoas, o perdão é um processo contínuo, em vez de ser um incidente isolado. Muitos outros, no entanto, descobrem que hesitam em se abrir para o perdão, porque acreditam que, ao fazê-lo, seria como que desculpar a ofensa. Mas, de acordo com meu modo de pensar, perdoar não se trata de justificar um mau comportamento ou negar que ele tenha acontecido; ao contrário, trata-se de remover o poder que aquele ato possa ter de causar dor ou raiva. O perdão concede às pessoas a cura permanente das lembranças desagradáveis e expurga a amargura de sua vida.

Houve uma época em que tive de me empenhar seriamente para me livrar de uma dolorosa lembrança. Perdoar foi o modo como cheguei lá. Enquanto crescia, no Irã, não tínhamos banheiro em casa. Como a maioria das famílias, usávamos banheiros públicos. As mulheres tomavam banho em uma ala e os homens em outra. Minha mãe lavava e secava minhas irmãs e eu, uma por uma e, em seguida, conforme nos vestia, pedia-nos para sair dali e esperar até que todas ficassem prontas.
Em uma dessas ocasiões, quando minha mãe mandou que eu saísse para aguardar, fui molestada por um homem em uma sala de espera vazia. Eu não devia ter mais do que quatro anos de idade naquela época. Era pequena demais para compreender o que estava acontecendo e, depois disso, eu reprimi completamente o ocorrido.
Não foi senão quando tive minhas próprias filhas, que esse incidente voltou à tona e passou a me provocar recorrentes pesadelos. Ficava com tanto medo pelas minhas filhas que nunca as deixava sair da minha vista, com receio de que tivessem uma experiência semelhante.
Conscientizei-me do ressentimento que havia desenvolvido
Anos mais tarde, quando comecei a estudar o livro Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, de Mary Baker Eddy, conscientizei-me do ressentimento que havia desenvolvido com relação a todos os homens iranianos e, até mesmo, com relação à própria cultura. Isso chegou a tal extremo que eu havia até resistido a ensinar minhas filhas a falar farsi, meu idioma nativo.

Ciência e Saúde esclareceu o significado de passagens da Bíblia de uma forma que eu nunca havia entendido antes. Pela primeira vez, senti uma conexão pessoal com os ensinamentos de Cristo Jesus. Descobri que o perdão e a reconciliação são necessidades absolutas para o estudante desses ensinamentos, bem como tinha de assumir a responsabilidade de viver eu mesma esses preceitos.
A interpretação espiritual de Mary Baker Eddy para esta frase do Pai Nosso: “E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores”, tocou-me de maneira especial. Ela escreveu: “E o Amor se reflete em amor” (p. 17). Além disso, eu estava aprendendo em Ciência e Saúde, que minha capacidade de expressar amor era simplesmente natural, porque Deus, sendo o próprio Amor divino, é meu Criador e, portanto, minha única fonte de ação. Também ficou claro que nada poderia jamais me separar do Amor. Para mim, essa foi uma incrível revelação a respeito da natureza e da eterna presença da realidade divina.
O perdão teria de ser um ato do coração
Pude ver que minha capacidade natural de expressar o Amor divino, inclusive minha capacidade de perdoar, era um dos maiores dons que Deus havia me outorgado. Entretanto, sabia que, para mim, o perdão teria de ser um ato do coração, um consentimento em abandonar a dor, o ressentimento e a raiva que carregava. Reconheci que, não importava o quanto eu já havia sofrido com o dano que me haviam feito, eu simplesmente não tinha o direito de pôr quem quer que fosse, nesse caso toda uma nação e seu povo, para fora do meu coração ou de julgá-los injustamente. Tratava-se de meu próprio país, meu próprio povo.

Compreendi que, no centro da palavra perdão em inglês, “forgiveness”, tem a palavra dar (give). Portanto, tinha de dar aos outros o perdão, tal como Deus o dá a mim. Não foi fácil. A cada dia, tinha de aprender a perdoar tudo novamente e a praticar um amor mais profundo. Entretanto, podia começar a partir do ponto de vista das qualidades não judiciosas ensinadas por Jesus, tais como: aceitação, perdão e amor incondicional, e tentar vivê-las.
Logo compreendi que, o fato de resistir ao perdão, havia me mantido uma vítima prisioneira. Portanto, eu tinha uma escolha: reviver aquela ofensa repetidamente ou perdoar e me libertar daquele sentimento, não apenas para o benefício de outras pessoas, mas principalmente para o meu próprio. Foi uma escolha espiritual que eu sabia que era capaz de fazer, e que poderia me libertar das mágoas do passado.
As bênçãos dessa cura foram completas
Certo dia, percebi que não precisava mais me empenhar em perdoar. O ressentimento e as dolorosas lembranças desapareceram e eu estava livre!

Isso significava que eu podia finalmente liberar minhas filhas da sentença de prisão à qual o medo havia me enredado. Eu não tinha mais de controlar a vida delas. Comecei permitindo que dormissem em casa de amigos quando havia festas. Logo, eu mesma comecei a ensinar minhas filhas a falar o farsi (idioma iraniano) e a compartilhar as belezas de meu país e seu povo. As bênçãos dessa cura foram completas. Comecei a estudar poesia e literatura persa com dois homens iranianos. Até nos tornamos bons amigos. Também tive o prazer de ajudar muitos amigos e amigas iranianos a estudarem a Ciência Cristã.
Muitos dos escritos sagrados e das tradições espirituais do mundo enfatizam a importância do perdão. Quando foi perguntado a Jesus quantas vezes temos de perdoar, ele respondeu: “setenta vezes sete” (ver Mateus 18:22). Há uma linda passagem semelhante a essa no Corão: “Peça perdão a Alá; certamente Alá está pronto para perdoar, com misericórdia”.
No prefácio de seu livro Exploring Forgiveness (Explorando o Perdão), Desmond Tutu escreveu: “O perdão não é apenas uma ideia vaga, nebulosa, que alguém pode facilmente descartar. O perdão tem a ver com a união das pessoas por meio de políticas práticas. Sem perdão não há futuro”.
O perdão é uma dádiva para nós mesmos e para os outros e ilumina nossa jornada. Suas bênçãos não param em nós. Elas começam conosco e se propagam por todas as comunidades, todas as nações e pelo mundo todo!
Marta é Praticista, Conferencista e Professora de Ciência Cristã, e mora com a família em Londres, Inglaterra.

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